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Unidos no amor por um time 

Matheus Haetinger

Bruno Loreto

      O futebol é o esporte mais popular do país. Segundo o Ministério do Esporte, cerca de 42,7% dos brasileiros praticam a modalidade. Apaixonante, o futebol desperta o interesse mesmo de quem não se arrisca a bater uma bolinha. No Rio Grande do Sul, onde nos dividimos, quase que impreterivelmente entre gremistas e colorados, é comum chegarmos em algum ambiente e nos pegarmos comentando ou ouvindo alguém falando de futebol.

 

      E, se você já compareceu a um estádio ou assistiu a uma partida, com certeza percebeu grupos que estão presentes em todos os jogos e se unem para compartilhar o amor por um time. São as torcidas organizadas, compostas por pessoas com os mesmos ideais – quando o assunto, claro, é futebol. Mas, como surge esse amor por um clube e a vontade de fazer parte de um grupo de torcedores? E qual a visão destes grupos quando alguma confusão acontece?

 

      Cristian Garcia, 29 anos, atual presidente da torcida organizada Máfia Tricolor, do Grêmio, faz parte do grupo há mais de 12 anos e conta que frequenta as arquibancadas desde os três anos de idade, quando era levado pelo pai ao estádio. Segundo ele, estar no ambiente onde o esporte é praticado e assistir à festa feita pelos torcedores, com seus cânticos e materiais, é inesquecível. “Os torcedores fiéis têm a necessidade de se organizar, para manifestar sua cultura de arquibancada, sua tradição. E de se organizar politicamente para defender não somente sua agremiação, mas também os outros torcedores. Nos tempos atuais, é ainda mais forte essa necessidade, para combater o racismo nos estádios e a elitização, que afasta as camadas populares” relata Cristian. 

Casos de violência ameaçam a continuidade das organizadas



      A violência, muitas vezes relacionada às organizadas, sempre gerou muita polêmica e debate. Por conta dela, muitas torcidas acabam taxadas de baderneiras. “A violência está em todos os lugares na sociedade. Está nas ruas, no show musical, no shopping, em qualquer lugar. Não seria no estádio, com ânimos acirrados e emoções à flor da pele, que ela não se manifestaria, lamentavelmente”, analisa Cristian Garcia.

 

      Em abril deste ano, em notícia veiculada no site Terra, o promotor Paulo Sérgio Castilho, do Juizado Especial Criminal, defendeu o fim das torcidas organizadas e afirmou que o país precisa adotar punições mais rigorosas contra a violência que vem sendo praticada por integrantes das torcidas de times de futebol. “Nos moldes em que estão agindo, essas associações não deveriam existir. ”

 

      De acordo com o presidente da Máfia, a organizada já sofreu algumas punições da diretoria do Grêmio no passado. Porém, segundo ele, a entidade não se envolve em confusão há anos. Quando algum componente se comporta de maneira inadequada é punido pela própria torcida. Outro aspecto reforçado por Cristian é que, muitas vezes, os problemas envolvem poucas pessoas e não o grupo como um todo.

A mulher como líder de uma torcida

 

     Por muito tempo considerado como um lugar de homens, o estádio de futebol atrai, hoje, cada vez mais mulheres. A torcida está cada vez mais feminina, por conta de políticas dos clubes que visam atrair mais associados. A tradicional Camisa 12, do Sport Clube Internacional, é presidida por uma mulher.

      Fundada em 1969, a organizada possui mais de mil integrantes, entre eles, muitas mulheres e quem tem a missão de comandar essa galera toda é Juliana Coutinho, eleita presidente em 2012 e reeleita em 2014. Frequentar as arquibancadas sociais do Gigante da Beira-Rio é prática realizada por Juliana desde pequena, quando comparecia ao estádio do Colorado com familiares. Ela conta que entrou para a torcida organizada em 1994, após um convite de duas amigas e que já foram mais de doze anos dedicados à ‘12’, onde fez grandes amizades, que se originam dentro do Estádio e ‘passam’ para fora do ambiente futebolístico.

 

     Assim como em qualquer grupo, existem líderes que têm seus próprios ideais. E em uma torcida não é diferente. Cansada de ter que concordar com a administração da antiga diretoria, Juliana e mais sete amigos decidiram fazer uma chapa para concorrer à diretoria. No pleito de 2012 venceram e ela faz questão de deixar claro que nunca sofreu preconceito e que lidar com seu posto sempre foi tranquilo. Com Coutinho no comando, a Camisa 12, se intitula como a primeira torcida organizada do país a ter uma mulher como presidente.

 

      Porém, a torcida não está livre da violência. No mês de julho, após a derrota de 1 a 0 para o Corinthians, alguns torcedores realizaram um protesto na saída de jogadores do Estádio Beira-Rio. Alguns quebraram grades, apedrejaram vidros e um carro de um preparador físico do clube. Na ocasião, doze torcedores foram identificados e punidos. Oito deles eram integrantes da Camisa 12 e sofreram sanções encaminhadas pelo Ministério Público. “A punição, acho que, às vezes, é muito rude. Mas aprendemos muito. O último episódio não era para ter acontecido dessa forma. A ideia era para fazer um protesto pacífico, mas oito pessoas da torcida saíram do controle e acabou acontecendo o que todos já sabem. Infelizmente fomos punidos mais, uma vez por falta de controle”, conta Juliana. Segundo a presidente, os oito integrantes foram expulsos do grupo.

 

      Ela lamenta que a torcida acaba também ‘pagando o pato’. Com o ato de vandalismo, a Camisa 12 foi suspensa por 180 dias e não pode frequentar o estádio durante o período, que pode ser abreviado dependendo do andamento do processo criminal. Neste tempo, está proibida a ostentação de qualquer símbolo da organizada e cancelado o acesso dos seus integrantes aos estádios. Segundo dados da assessoria do clube, a torcida colorada conta com 107.145 sócios, dos quais, 23.040 são mulheres. Esse número representa 22% do quadro de associados do clube.

Gigantes nas pequenas arquibancadas do interior

 

     No interior do Rio Grande do Sul, o futebol vive e respira por meio das fiéis torcidas, sempre presentes para apoiar as equipes. Além dos grandes da capital, o Estado conta com muitos clubes, a maioria pequena em estrutura, mas grande fora das quatro linhas.

 

     O amor por estes times surge, muitas vezes, através do incentivo de parentes mais velhos. Lukas Andrey dos Santos, de 20 anos, por exemplo, conta que nasceu em uma família “juventudista” – como são chamados os adeptos do Juventude, de Caxias do Sul e – foi incentivado por seu avô paterno a incentivar o ‘Ju’. O jovem destaca que frequenta o estádio desde a “barriga da mãe”, participa da organizada Loucos da Papada há aproximadamente sete anos e fala que começou a fazer parte do grupo “por querer apoiar o time de uma maneira ‘a mais’ do que só ir ao estádio.”

 

     Há também aqueles que viram o amor por um time do interior aparecer após um convite, ou pela vontade de conhecer o time junto com um amigo. É o caso de Rodrigo Tavares, de 27 anos, hoje presidente da Torcida Organizada Mancha Rubro Verde, do Sport Club São Paulo, da cidade de Rio Grande, no litoral sul do estado. Ele diz ser torcedor do Leão do Parque desde que começou a frequentar o estádio, com 13 anos de idade.  Assim como Lukas, que comenta que 80% das suas amizades hoje em dia, se devem ao Juventude, Rodrigo conta que a arquibancada é um bom lugar para conhecer diferentes pessoas de diversas cidades interioranas, que estão inseridas em um grupo semelhante ao seu. “Hoje meus grandes amigos estão dentro da torcida. Em geral na arquibancada conheço muita gente, em outras cidades também, devido ao trabalho sério que realizamos com a Mancha.”

 

     As torcidas organizadas no estádio são um caso à parte. Diferente do “torcedor comum”, os grupos que se unem para apoiar a equipe gritam e pulam durante todos os 90 minutos de um jogo. Ver toda esta festa também é motivo de inspiração e desperta o interesse dos demais. Foi assim, assistindo desde pequeno ao espetáculo protagonizado nas arquibancadas do S.E.R Caxias, de Caxias do Sul, que Mateus Perondi, de 19 anos, sentiu vontade de integrar a Forza Granata. Ele frequentava o estádio desde os 4 anos, levado pelo pai. Fazer amizades e também “se entrosar com a galera” foram alguns dos motivos que, segundo ele, o levaram a fazer parte. “Fui motivado a entrar por ver a galera pulando e cantando”.

Apoio dos clubes às torcidas, existe?

      Apesar das várias semelhanças entre todas as Organizadas, elas divergem um pouco quando a questão é o apoio recebido do clube. Enquanto Lukas conta que a Papada procura "depender o mínimo possível do clube", mas que o mesmo nunca os deixa na mão, Mateus fala que a Forza não recebe apoio do Caxias: "apenas uma salinha no Centenário (estádio do clube) onde guardamos as faixas e os instrumentos."

     Por outro lado, Rodrigo diz que a organizada do 'rubro-verde' é parceira e tem grande importância dentro do São Paulo. “Temos uma parceria muito sólida com nosso clube, devido à grande importância de nossa torcida. Participamos de grandes decisões, possuímos um grande número de conselheiros e ajudamos o clube em diversas ações."

 

No interior, o combate à violência

      Todos estão “fechados” contra a violência, que vem “manchando” a popularidade das organizadas de todo o país. Os três falam que o intuito do grupo é apoiar o clube e que quem for pego ou visto badernando pode até ser proibido de frequentar a torcida. "Acredito que o intuito de qualquer torcida é o clube em si, apoiar e fazer de tudo para o mesmo ir bem. No momento em que a torcida pratica algo que prejudique o clube, está fugindo do seu ideal. No nosso caso, procuramos evitar qualquer atitude que possa prejudicar o clube, e afastar gente do estádio", relata Lukas.

     "Torcidas Organizadas são geralmente um grupo grande, é difícil controlar um a um. Existem as regras internas, mas é impossível cuidar as ações de todos. Quando somos informados de alguma situação, o integrante é convocado para uma reunião, podendo ser até excluído da torcida", fala o presidente da Mancha Rubro-Verde.

Acompanhando o clube de perto

      Frequentar as arquibancadas do Estádio dos Eucaliptos, em Santa Cruz do Sul, e

percorrer o estado para assistir o Avenida de perto é algo corriqueiro na vida da

torcedora Sabrina Heming (foto). “Acompanhar a Divisão de Acesso pelos estádios do

Rio Grande certamente é uma das cachaças mais viciantes que o torcedor do interior

pode tomar. Num geral, quem torce para um time do interior, vive o clube de perto.

Está ali vestindo as suas cores, nos melhores e piores momentos”, relata ela.

 

     Sabrina conta que acompanha o ‘Nida’ dede 2011, quando a equipe realizou uma

grande campanha, vencendo a Divisão de Acesso.

 

     Um momento pitoresco, nos tantos que Sabrina esteve em percurso para assistir um

jogo, aconteceu horas antes do confronto contra o União Frederiquense, de Frederico

Westphalen, válido pela final da segunda fase da Divisão de Acesso de 2014.

“Passando Ijuí, furou o pneu de um dos ônibus. Aproveitamos para parar para o

almoço, já que eram seis horas de viagem. Eis que começou a chover; passamos o

jogo com chuva forte, numa arquibancada de madeira que estava quebrando e só suportava metade da torcida que foi de visitante”, diz a estudante.

 

     No fim do confronto, o Avenida subiu para a Série A do futebol gaúcho e, após chegar em Santa Cruz do Sul à meia noite, houve uma carreata para comemorar o feito, debaixo de chuva.

 

     Estar junto ao clube, em estádios bem mais modestos, comparados aos palcos dos jogos dos grandes da capital, é o que move o amor por um clube do interior, de acordo com Sabrina: “A mão cortada no alambrado enferrujado, a arquibancada de cimento e o tênis cheio de areia vermelha, certamente me emocionam muito mais

do que estar sentada em um estádio moderno, onde temos que assistir ao jogo sentados.”

    Do mesmo modo que Sabrina percorre alguns quilômetros para acompanhar o Nida e Lukas, que destaca Loucos da Papada está ao lado do Juventude 'sempre que possível', Rodrigo, presidente da Mancha Rubro-Verde, relata que a torcida do Leão tem o objetivo de sempre estar junto do São Paulo:

     "[Em 2016] Acompanhamos o SC São Paulo em TODAS partidas, inclusive fora do RS (Londrina e Lages em 2016, pelo Campeonato Brasileiro Série D). Seja de carro, van ou ônibus, nosso lema é estar sempre ao lado do nosso clube. Hoje sem dúvida, somos uma das torcidas organizadas mais fies do RS."

Foto: Divulgação/Forza Granata

Foto: Divulgação/Loucos da Papada

Foto: Divulgação/Mancha Rubro-Verde

Foto: Sabrina Heming

Foto: Arquivo/Facebook

Fotos: Divulgação/Forza Granata

Fotos: Divulgação/Loucos da Papada

Fotos: Divulgação/Mancha Rubro-Verde

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